Prof.ª Dra.
Vera Haas
Como prometi, eis-me de
volta, agora para traçar um possível paralelo entre o recente Um
método perigoso, de David Cronemberg (2012), e Germinal, de Claude
Berri (1993). Para começar, é necessário delimitar o recorte:
comentarei com vocês alguns procedimentos que sustentam a narração.
Os dois filmes foram
adaptados a partir das obras literárias, The talking cure, de
Cristopher Hampton, e Germinal, de Émile Zola,
respectivamente.Nos dois casos, o tema e a abordagem narrativa
remetem ao trabalho científico. Enquanto Germinal focaliza a luta
pela sobrevivência por parte de famílias empregadas nas minas de
carvão, Um método perigoso incide sobre a relação entre os pais
da psicanálise (Freud e Jung), mediada por uma paciente, Sabina
Spielrein. Na linha do realismo naturalismo caro a Zola, Berri aposta
em cenas que recuperam uma atitude de exploração sedimentada por
teorias científicas que apostavam na supremacia de alguns homens (e
raças) sobre outros. A câmera sensibiliza o espectador com
sequências em que a ênfase nos aspectos biológicos da condição
humana sublinha a animalidade a que são submetidas as gerações
exploradas por um grupo de proprietários ricos. Um plnao geral
revela a intimidade sexual do casal partilhada com os demais membros
da casa. O lusco-fusco da madrugada mostra crianças das mais
diversas idades dormindo amontoadas e, gradualmente, acordando para
ir às minas: elas levantam cambaleantes, simplesmente amarrando as
roupas, já prontas para o trabalho que as aguarda. O enlace entre
homem e mulher é colhido a partir de um sexo quase brutal. A
formação de outra família é vista sob o prisma do sustento e das
bocas por alimentar: um alívio para a família da moça, um a menos
para comer, uma aflição e um auxílio para o homem que casa, pois
terá novas despesas, mas a esposa trabalhará para ele. E os baixos
salários requerem de mães e filhas o ingresso na prostituição,
único meio de aumentar o caldo servido à mesa. Assim, a caridade
das mulheres burguesas é antes uma ofensa que uma atitude generosa.
A loucura dos velhos e a morte dos jovens são saídas oferecidas não
pela natureza, mas pelas vis condições de trabalho.
Cronemberg, ao retomar
as relações entre Freud e Jung e a figura de Spielrein, utiliza uma
câmera que cria situações em que a tensão dramática vivida pelos
personagens parece receber uma capa de frieza: a mudança de ponto de
vista durante longos diálogos entre os dois homens. Enquanto debatem
suas ideias, os protagonistas são vistos em sequências em que o
plano americano do conjunto traz alternâncias na figura em primeiro
plano: ora Freud, ora Jung ocupa o lugar de destaque na cena. O mesmo
já ocorria nas cenas em que Jung trata Sabina. O psiquiatra
coloca-se atrás da paciente e investe em um jogo de perguntas e
respostas em que acata as associações da jovem, certo de que a cura
está não apenas na conversa, mas também na recuperação de
imagens e sentidos propostos pelo doente, ou seja, pelo universo
cultural ao qual ele pertence. Deste modo, o diretor parece sugerir
ao espectador que a disputa entre os dois psicanalistas é, ao mesmo
tempo, uma contínua experimentação. O método adotado com os
doentes é aquele que aplicam um ao outro, sugerem a câmera e os
atores.
As duas obras provocam
reflexões sobre os métodos científicos e a expressão desses dos
resultados de uma pesquisa. O filme de Berri recusa a teoria de que
alguns homens são melhores que outros, iluminando o romance de Zola
pela ênfase em sequências cujo realismo choca e focalizando os
debates acerca das novas relações de trabalho. O contraste entre
esses dois pontos que sustentam a narração obrigam o espectador a
tomar partido, ainda que o faça com horror. Cronenberg, por sua vez,
aposta na frieza da câmera e no jogo de posições da cena,
transferindo para a narração as relações do método
psicanalítico. O espectador será obrigado a encontrar outras
facetas de Freud e Jung, descobrindo sob a pele do cientista, a
pulsação do homem.
Ainda umas palavras
finais: as narrativas fílmicas abordadas apresentam cenas e
situações em que a mulher é a figura de sustentação para os
protagonistas e a figura menosprezada pelos mesmos. Acaso, estrutura
social ou ficção? O leitor pode escolher onde buscar a resposta e
que métodos usará para isso...
Este
filme estreou em: 30
de Março de 2012
A
história se baseia na peça The Talking Cure, de Christopher
Hampton, que romanceia fatos e acompanha a relação dos pais da
psicanálise, Jung e Freud, com a russa Sabina Spielrein (Keira
Knightley), uma das primeiras mulheres psicanalistas da história,
que foi paciente no hospital onde Jung trabalhava, em Zurique.
CURIOSIDADES
FICHA
TÉCNICA
Diretor: David
Cronenberg
Elenco: Michael
Fassbender, Viggo Mortensen, Keira Knightley, Vincent Cassel, Sarah
Gadon, Michael Fassbender
Produção: Martin
Katz, Marco Mehlitz
Roteiro: Christopher
Hampton
Fotografia: Peter
Suschitzky
Trilha
Sonora: Howard
Shore
Duração: 99
min.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imagem
Filmes
Estúdio: Recorded
Picture Company (RPC) / Lago Film / Prospero Pictures
Classificação: 14
anos