segunda-feira, 16 de abril de 2012

QUANDO A ARTE OBSERVA A CIÊNCIA...


Prof.ª Dra. Vera Haas

Como prometi, eis-me de volta, agora para traçar um possível paralelo entre o recente Um método perigoso, de David Cronemberg (2012), e Germinal, de Claude Berri (1993). Para começar, é necessário delimitar o recorte: comentarei com vocês alguns procedimentos que sustentam a narração.
Os dois filmes foram adaptados a partir das obras literárias, The talking cure, de Cristopher Hampton, e Germinal, de Émile Zola, respectivamente.Nos dois casos, o tema e a abordagem narrativa remetem ao trabalho científico. Enquanto Germinal focaliza a luta pela sobrevivência por parte de famílias empregadas nas minas de carvão, Um método perigoso incide sobre a relação entre os pais da psicanálise (Freud e Jung), mediada por uma paciente, Sabina Spielrein. Na linha do realismo naturalismo caro a Zola, Berri aposta em cenas que recuperam uma atitude de exploração sedimentada por teorias científicas que apostavam na supremacia de alguns homens (e raças) sobre outros. A câmera sensibiliza o espectador com sequências em que a ênfase nos aspectos biológicos da condição humana sublinha a animalidade a que são submetidas as gerações exploradas por um grupo de proprietários ricos. Um plnao geral revela a intimidade sexual do casal partilhada com os demais membros da casa. O lusco-fusco da madrugada mostra crianças das mais diversas idades dormindo amontoadas e, gradualmente, acordando para ir às minas: elas levantam cambaleantes, simplesmente amarrando as roupas, já prontas para o trabalho que as aguarda. O enlace entre homem e mulher é colhido a partir de um sexo quase brutal. A formação de outra família é vista sob o prisma do sustento e das bocas por alimentar: um alívio para a família da moça, um a menos para comer, uma aflição e um auxílio para o homem que casa, pois terá novas despesas, mas a esposa trabalhará para ele. E os baixos salários requerem de mães e filhas o ingresso na prostituição, único meio de aumentar o caldo servido à mesa. Assim, a caridade das mulheres burguesas é antes uma ofensa que uma atitude generosa. A loucura dos velhos e a morte dos jovens são saídas oferecidas não pela natureza, mas pelas vis condições de trabalho.
Cronemberg, ao retomar as relações entre Freud e Jung e a figura de Spielrein, utiliza uma câmera que cria situações em que a tensão dramática vivida pelos personagens parece receber uma capa de frieza: a mudança de ponto de vista durante longos diálogos entre os dois homens. Enquanto debatem suas ideias, os protagonistas são vistos em sequências em que o plano americano do conjunto traz alternâncias na figura em primeiro plano: ora Freud, ora Jung ocupa o lugar de destaque na cena. O mesmo já ocorria nas cenas em que Jung trata Sabina. O psiquiatra coloca-se atrás da paciente e investe em um jogo de perguntas e respostas em que acata as associações da jovem, certo de que a cura está não apenas na conversa, mas também na recuperação de imagens e sentidos propostos pelo doente, ou seja, pelo universo cultural ao qual ele pertence. Deste modo, o diretor parece sugerir ao espectador que a disputa entre os dois psicanalistas é, ao mesmo tempo, uma contínua experimentação. O método adotado com os doentes é aquele que aplicam um ao outro, sugerem a câmera e os atores.
As duas obras provocam reflexões sobre os métodos científicos e a expressão desses dos resultados de uma pesquisa. O filme de Berri recusa a teoria de que alguns homens são melhores que outros, iluminando o romance de Zola pela ênfase em sequências cujo realismo choca e focalizando os debates acerca das novas relações de trabalho. O contraste entre esses dois pontos que sustentam a narração obrigam o espectador a tomar partido, ainda que o faça com horror. Cronenberg, por sua vez, aposta na frieza da câmera e no jogo de posições da cena, transferindo para a narração as relações do método psicanalítico. O espectador será obrigado a encontrar outras facetas de Freud e Jung, descobrindo sob a pele do cientista, a pulsação do homem.
Ainda umas palavras finais: as narrativas fílmicas abordadas apresentam cenas e situações em que a mulher é a figura de sustentação para os protagonistas e a figura menosprezada pelos mesmos. Acaso, estrutura social ou ficção? O leitor pode escolher onde buscar a resposta e que métodos usará para isso...


Este filme estreou em: 30 de Março de 2012
A história se baseia na peça The Talking Cure, de Christopher Hampton, que romanceia fatos e acompanha a relação dos pais da psicanálise, Jung e Freud, com a russa Sabina Spielrein (Keira Knightley), uma das primeiras mulheres psicanalistas da história, que foi paciente no hospital onde Jung trabalhava, em Zurique.

CURIOSIDADES

- Do mesmo diretor de Marcas da Violência e Senhores do Crime.

FICHA TÉCNICA

Diretor: David Cronenberg
Elenco: Michael Fassbender, Viggo Mortensen, Keira Knightley, Vincent Cassel, Sarah Gadon, Michael Fassbender
Produção: Martin Katz, Marco Mehlitz
Roteiro: Christopher Hampton
Fotografia: Peter Suschitzky
Trilha Sonora: Howard Shore
Duração: 99 min.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Imagem Filmes
Estúdio: Recorded Picture Company (RPC) / Lago Film / Prospero Pictures
Classificação: 14 anos

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