Dirigido
por Selton Mello, O palhaço evidencia uma construção
narrativa em que nenhum detalhe é casual. Do início ao desfecho da
história, detalhes como o lápis nas mãos de Benjamin (Selton
Mello), a espada manipulada por Lola (Giselle Motta) e a estátua do
santo protetor dos artistas – não, não direi o nome do patrono,
olhe o filme... – participam da narração. Frequentemente
focalizados pela câmera, ora em detalhe, ora nas mãos de um dos
personagens, esses elementos relacionam-se tanto ao universo da
ficção quanto ao trabalho do ator. Se na ficção tudo o que for
verossímil cabe, a atuação requer a habilidade de usar todo o
elemento capaz de compor o personagem para aquela narrativa, para
aquele filme. Assim, a espada que fascina também corta, e o lápis
escreve a estória, ainda que o mote do gracejo oralmente construído
esteja em primeiro plano.
Outro
aspecto que chama a atenção é a homenagem ao artista circense, em
especial ao palhaço. A dupla Pangaré e Puro Sangue, composta
respectivamente por Benjamin e Valdemar (Paulo José), recupera tanto
a tradição do palhaço de circo como a do clown. A crise de
identidade marcada no apelido Pangaré faz parte da vida de Benjamin.
Mais do que ter uma carteira de identidade, ele precisa reconhecer
seu lugar no mundo, fora ou debaixo da lona do circo.
A câmera
trabalha de modo a endossar a homenagem inscrita nos personagens.
Muitas são as cenas em que a narrativa fílmica procura recriar a
situação dialógica entre palco e platéia. Um exemplo é a
situação em que o delegado (Moacir Franco) tem a sua frente parte
da trupe circense, presa por provocar briga dentro de um
estabelecimento comercial. A câmera vai da figura do delegado aos
temerosos artistas, todos em silêncio, ouvintes atentos do discurso
do delegado – aliás, porque são bons entendedores, estão logo
soltos. Situação bem diferente é a que ocorre quando Benjamin
escuta as histórias de seu patrão (Sérgio Loredo). Sentados em uma
mesa, um grupo ouve as piadas contadas de modo animado. Do contador,
a câmera passa a um meio plano em Benjamin: ele ri com prazer. Em
sua busca, o filho de Valdemar redescobre o prazer de rir de uma
piada bem interpretada. Segundo Felipe Branco Cruz, o ator, diretor,
roteirista e montador, no que diz respeito ao modo de filmar,
declarou: “É inevitável a referência a Fellini. Ele filmou, de
forma definitiva, o teatro”.
A
participação de atores como Paulo José, Moacyr Franco, Sérgio
Loredo (o Zé Bonitinho) e Luiz Pereira Neto (o Ferrugem) funciona
como uma homenagem a grandes atores, em particular, à arte da
comédia. Nessa linha, Selton já afirmou seu carinho pelos
Trapalhões e por Didi, “nosso Charles Chaplin”. Desse modo O
palhaço, além de um ótimo filme, homenageia grandes nomes do
cinema e da comédia.
Para
quem quiser ler alguns poemas para conhecer o palhaço e o clown
na literatura brasileira, ficam as dicas:
Poética
(Manuel
Bandeira)
Estou
farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Estes poemas belíssimos, de Manuel Bandeira — Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira, fone (021)286.78.22, Brasil — foram inspiração (e homenagem a ele) para Soares Feitosa, "in" Do Belo-Belo.
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
Estes poemas belíssimos, de Manuel Bandeira — Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira, fone (021)286.78.22, Brasil — foram inspiração (e homenagem a ele) para Soares Feitosa, "in" Do Belo-Belo.
Acrobata
da Dor
(Cruz
e Sousa)
Gargalha,
ri, num riso de tormenta,
como
um palhaço, que desengonçado,
nervoso,
ri, num riso absurdo, inflado
de
uma ironia e de uma dor violenta.
Da gargalhada atroz, sanguinolenta,
agita
os guizos, e convulsionado
salta,
gavroche, salta clown, varado
pelo
estertor dessa agonia lenta ...
Pedem-se bis e um bis não se despreza!
Vamos!
retesa os músculos, retesa
nessas
macabras piruetas d'aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
afogado
em teu sangue estuoso e quente,
ri!
Coração, tristíssimo palhaço.
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